Resenha de álbum: Cangaço - Rastros




Depois de muita espera e ansiedade por parte dos fãs, finalmente o Rastros, debut da banda Cangaço, é lançado. Para quem não conhece, o Cangaço é uma banda pernambucana fundada em 2009, e a primeira formação contava com Magno Barbosa(Baixo/Vocal), Rafael Cadena(Guitarra/Vocal) e Arthur Lira(Bateria). A proposta da banda é mesclar 2 extremos bem peculiares: o Baião (ritmo regional do Nordeste Brasileiro), e o Death Metal. Apesar da ideia ser bastante exótica, a banda conseguiu chamar a atenção dentro do cenário nacional com a primeira demo, lançada em 2009, e com o EP Parabelo, lançado em 2010, e no mesmo ano conseguiram o incrível feito de ganhar a seletiva nacional do Wacken Metal Battle, conseguindo se apresentar no maior festival de metal do mundo, o Wacken. Ainda lançaram o EP Positivo, em 2011, que apresentava 4 faixas cantadas em português e 1 em inglês.
   Sem mais delongas, a banda lançou no início de 2013 o seu debut, Rastros, que conta com 9 faixas, sendo 3 regravações, e também com o baterista André Lira no lugar de Arthur Lira.
   Logo de início, temos “Atrito”, introdução instrumental que relaxa o ouvinte, mostrando toda a riqueza da música regional, a partir de instrumentos como Pífanos, flautas, agogôs, lixa na bacia, entre outros. De muito bom gosto, a faixa se encerra dando lugar a “Cantar às Excelências das Armas Brancas”,  que nada mais é, do que o “Poema do Cangaçeiro de Santa Fé”, recitado com vocais guturais, típica proposta do Cangaço, unir o regional ao Death Metal. A faixa tem sua introdução logo seguida de uma ótima sequência, onde os vocais de Magno e Rafael se alternam, de forma que o primeiro canta nas partes que tem uma levada Thrash/Death, e o segundo canta nas cadências interpostas sobre a primeira parte. É magnífico o trabalho de grooves de Magno, totalmente audíveis, acompanhados de acordes dissonantes, feitos por Rafael. Ao longo da faixa, se ouve os instrumentos regionais, que também se mostram nítidos à audição, e no final da faixa o dueto vocal instiga todos os ouvintes a começar a cantar: “Nós somos o cangaço, e só deixamos rastros, aos que vem auxiliar”.
   Continuando com “Arcabuzado”, faixa que já tinha sido lançada anteriormente, essa conta com uma extensa e complexa letra, retirada do texto “O Auto do Frade”, de João Cabral de Melo Neto. Cadenciada, Arcabuzado se mostra bem exótica ao contar com uma estrutura sonora totalmente não convencional. Sua construção é digna de vários elogios, visto que é ausente de refrãos e coros. A próxima faixa é “Bombardeio no Ceará”, particularmente minha favorita, que começa com um curto período acústico, e logo se desenvolve para um riff pegajoso seguido de licks de baião, e logo antes do épico refrão temos vários blast beats de André, que faz um trabalho magnífico nessa faixa. Já no refrão, precisamos dar ênfase total a essa parte, pois esse foi um refrão demasiadamente pegajoso para um estilo como o Death Metal, e sem se prender a temas clichês, a banda denuncia a questão da mísera situação do povo do sertão que luta vivendo de sua própria subsistência, e através de uma forte letra, consegue comover todos os ouvintes: “Reflexo do desejo de centenas jogados dentro do caldeirão, com vontade e organização apenas, tirados de dentro do caldeirão” (Acredite, se você realmente gostar da faixa, não tirará a palavra “Caldeirão” da mente tão fácil, [risos]). Na segunda metade da música ainda temos um lick de guitarra que lembra muito black metal melódico, e apesar de ser repetido várias vezes, dá um ar de epicidade a faixa, e se mostra deveras melódico e cativante.
   “Encarnação”, é talvez a faixa mais simples do álbum, porém instiga a todos de uma forma impressionante, e em uma experiência ao vivo, consegue render rodas de pogo em seu refrão simples e marcante: “Carne em viveiros, sacrificadas em espelhos”. A prazerosa audição segue com “Mental”, totalmente instrumental, a proposta encontrada não é a do exibicionismo ou virtuosismo, mas sim de um mix de gêneros regionais com outros estilos. Podemos perceber que a faixa possue nuances que lembram infinitos estilos, como jazz, baião, maracatu, coco, funk, metal, e encontramos até uma pequena polirritmia (djent?), tudo depende da criatividade do ouvinte ao relacionar tudo isso. Acredito que todos esse gêneros foram incluídos dentro da faixa não de forma proposital, mas sim como uma consequência de todo o conhecimento musical das mentes envolvidas em sua criação. Totalmente progressiva, a faixa é um deleite para os apreciadores desse tipo de música, e a técnica e criatividade dos músicos envolvidos são demonstradas de forma magnífica.
   Para fechar o álbum temos as regravações: “Statu Variabilis”, “Corpus Alienum” e “Devices Of Astral”. Músicas já conhecidas pelos fãs da banda, e que sempre tiveram uma receptividade incrível. Interessante notar que foram adicionados sutis e ricos arranjos com outros instrumentos, que tornaram as faixas ainda mais regionais.
   A arte do álbum é de muito bom gosto, e assim como o som da banda, muito peculiar e nada convencional. A capa retrata o principal tema abordado pela banda, a cultura do Cangaço, e ficou por conta da artista Alexandra Jarocki, que possue um estilo próprio chamado de “Arte Despretensiosa”. Já na parte de gravação e mixagem, é nítido que existem alguns pecados, como a enorme ênfase dada aos graves, que acabaram abafando a guitarra, o que não ajuda muito quando se toca em um power trio. A bateria está impecável, mas senti que poderia ser um pouquinho mais virtuosa em alguns momentos. Os arranjos com instrumentos regionais foram excelentemente inseridos, e enriqueceram muito a unicidade da banda. Um fator que devemos salientar ao tocar nesse assunto, é a dificuldade de gravação e mixagem de um material de metal no Brasil. Enfim, sabemos que a banda está só começando a aparecer para o mundo, e em questão de criatividade o Cangaço chega a assustar, tamanha é essa virtude.
   Uma observação a fazer é que a banda trocou de baterista, e agora conta com MekMek Natividade, que em poucos shows, agradou muito todos os entusiastas da banda.
   Ao final de tudo, reiteramos o que todos já sabiam: que o Cangaço é uma das bandas mais promissoras e inovadoras do país. A banda ultrapassa as fronteiras do metal, e mostra seu som totalmente não convencional, cantado em português, executado de uma maneira totalmente técnica, e livre de dogmas presentes no universo do gênero. “Death/Folk Metal”, talvez é esse o melhor termo para rotular a banda, mas assim como dizia Chuck Schuldiner, é melhor esquecer o que vem antes e lembrar apenas de “Metal”. Sabemos também que sempre tem os puristas chatos e retrógados, que não admitem a ousadia da banda ao mesclar gêneros distintos, mas vinda desses, a opinião é irrelevante, tamanha é a limitação cognitiva desses cidadãos.


     

Informações técnicas:

Tracklist:
1.           Atrito
2.           Cantar às Excelências das Armas Brancas
3.           Arcabuzado
4.           Bombardeio no Ceará
5.           Encarnação
6.           Mental
7.           Statu Variabilis
8.           Corpus Alienum
9.           Devices of Astral

Formação do Rastros:
Rafael Cadena                   Vocal, Guitarra
Magno Barbosa Lima        Vocal, Baixo
André Lira                          Bateria
Participação especial de Ivo Lajes na percussão.

O line atual da banda é formado por:
 Rafael Cadena                     (Guitarra e vocal)
 Magno Barbosa                  (Baixo e vocal)
 Mek Natividade          (Bateria)

Lançamento: 6 de Janeiro de 2013
Formação atual da banda
Links: Site Oficial: http://www.cangacometal.com/

Avaliação: 9,7
Prós:

  •         Músicos extremamente criativos que conseguiram criar um som único e original através da mesclagem de gêneros distintos.
  •      Letras complexas
  •         Estruturas sonoras não convencionais divinamente executadas


Contras:

  •          Mixagem do álbum (guitarra abafada)

Por:MrEdu

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